quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O homem morre pela boca, por Fabiano Mundim

As pessoas querem viver muito, mas ninguém quer ficar velho. É uma das eternas contradições humanas. O fato é que da vida ninguém escapa e se a indesejada das visitas demorar, estaremos expostos a uma série de doenças que os médicos chamam de crônico-degenerativas, típicas da idade.
Se um hábito é comum a essas ameaças, é o alimentar. O japonês, por exemplo, come pouca carne e tem pouca incidência de doenças cardíacas; em contraposição tem mais câncer de estômago. A comida que é nosso combustível, e para alguns fonte de prazer, também é nosso algoz. Se não comermos entramos em inanição, que pode levar à morte. O outro extremo, comer em excesso, leva à obesidade.
Portanto, tem todo sentido o adágio popular de que o homem morre pela boca. Convém lembrar que este risco não se restringe só ao sentido nutricional. A boca também emite sons, palavras e estas, às vezes, provocam a ira alheia.
Quem de nós, ante um acesso de verborragia, não foi lembrado de que "em boca fechada não entra mosquito" ou "quem muito fala dá bom dia a cavalo"?

A tecnologia nem sempre é a solução, por Vanilson Aparecido Ferreira

Toda evolução traz em si, intrinsicamente, um atraso. A tecnologia se apresenta como resposta ou solução para muitos problemas. Enquanto, por um lado, corresponde às nossas expectativas e necessidades, em paralelo produz a alimentação e a lei do menor esforço.
Muitas criações surgem para fins de caráter utilitário, às vezes um tanto suspeito. Na informática, por exemplo, as fontes enciclopédicas nos dão respostas prontas que expõe a um nível superficial o aprendizado.
Os relacionamentos, namoro e amizade via computador, desumanizam as crianças, os jovens e também os adultos; pois se perde o contato afetivo, corporal, visual, tornando as pessoas antissociais e, cada vez mais, egocêntricas e isoladas.
A tecnologia favorece muito nossa vida cotidiana, mas é preciso saber usar moderadamente estes recursos, porque nem tudo que facilita nos ajuda a evoluir.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Martin Heidegger, por Anivaldo Eugenio dos Santos

MARTIN HEIDEGGER:
Um “Ser” Que Nasceu Trabalhou e Morreu[1]

Anivaldo Eugênio Santos*


“A linguagem, é a maior epifania do ser humano”. (Martin Heidegger)

Martin Heidegger nasceu a 26 de setembro de 1889 em Messkirch, na chamada Schwarzwald conhecida por Floresta Negra na Alemanha embora não se considerasse como tal, é a figura mais representativa do existencialismo[2].
Um breve esclarecimento quanto a não aceitação por parte de Heidegger, como sendo um expoente do existencialismo bem como solidificador de tal corrente. Ao afirmar-se como a corrente filosófica mais discutida nas décadas de quarenta e cinqüenta, o existencialismo tornou-se sinônimo de fatos ou pessoas que desviassem do procedimento usual; tudo que infringisse as regras estabelecidas.
O que ultrapassasse a linha divisória entre o certo e o errado, era considerado existencialista, pode-se explicar tais afirmações como, por exemplo, o movimento Hippie (grupos que buscam uma forma de vida mais desprendida do usual, muitas vezes sem moradia fixa ou bens materiais).

“... “O vocábulo” “existencialismo” pertence àquela categoria de palavras que, ganhando em extensão, perde em compreensão...” (PENHA, João. O que é Existencialismo; 11ª ed. Editora. Brasiliense.; p. 9)

Faleceu em 26 de maio de 1976, no mesmo lugar em que nascerá; filho de um sacristão católico que tinha inúmeras funções acopladas desde a cuidar das alfaias do culto, tocava os sinos em horários significativos, era incumbido de cavar as sepulturas no interior do templo.
Após a leitura da obra de um filosofo católico no final do século XIX Franz Bretano, ele mostrou uma preocupação religiosa precoce e teve seu interesse despertado para a filosofia ainda quando estava nos estudos básicos; impressionado com a psicologia descritiva, dos vários significados do ser de acordo com Aristóteles, obra de Bretano e o aparente e mais tarde edificado entusiasmo pelos gregos, em especial os pré-socráticos.
O filósofo alemão após terminar os estudos básicos, já com o interesse religioso implícito em sua vida, entra para a ordem dos Jesuítas, momento este que deu grande impulso para seus estudos e solidificação de convicções que mais tarde pretendia colocar em suas idéias. Em seguida como noviço tem a oportunidade de estudar a Escolástica; filosofia cristã medieval e a teologia tomista, na universidade de Freiburg.
Heidegger é autor de magníficas obras as quais são consideradas misteriosas; possuidor de uma linguagem altamente cifrada com termos próprios e conceitos que ele atribui significados fora dos padrões de dicionários comuns. É visto por todos os outros filósofos pós Heidegger e estudiosos, como uma forma única de escrever, um tanto difícil, e até mesmo incompreensível. Sua notável colocação à cerca do ser, de forma romântica o faz ser admirado por um grande número de pessoas.
Heidegger deixa transparecer que durante toda á sua vida não só buscou aprofundar seus estudos à cerca “do ser” bem como se tornou obcecado por um sentido, um significado do ser.

“A experiência traumática da guerra gerou um ambiente de desanimo e desespero, sentimentos que atingiram particularmente a juventude, descrente dos valores burgueses tradicionais e da capacidade de o homem solucionar racionalmente as contradições da sociedade”.[3]


O cenário supracitado, a realidade que viveu Heidegger, e os caminhos que tomavam a largos passos a sociedade influenciam Martin a intensificar suas buscas, direcionando suas concepções quanto ao que existe. É uma ontologia vista como: o estudo do que é, do que existe voltada totalmente para a questão do ser. Influenciado por diversos filósofos do final do século XIX, e início do século XX; em especial pelo filosofo católico Dinamarquês Soren Kierkegaard e pelos filósofos alemães Friedrich Nietzsche e o historicismo de Dilthey[4] e é claro pelo seu mestre e fundador da Fenomenologia[5], Edmond Husserl (1859-1938).
O questionador do sentido do ser vive em meio a brilhantes pensadores. Os seus 20 anos de idade ele estudou em Freiburg com o filosofo Heinrich Rickert (1863-1936), esse que mais tarde viria a ser o fundador da escola de Baden (escola do pensamento neokantiano), e com Husserl, que já tinha uma elevada fama por suas idéias e obras publicadas.
Em 1914 Heidegger em sua dissertação doutoral tem como “substrato” (indivíduo real. ABBAGNAMO; Nicola; Dicionário de Filosofia; p.1094), a fenomenologia de Husserl e sua luta contra a inclusão da psicologia nos estudos essenciais do homem.
O que Martin mais tarde disse e escreveu sobre a ansiedade, pensamento, perdão, curiosidade, angústia, cuidado, ou medo não era relacionado à psicologia; e o que disse sobre o homem, não pretendeu que fosse sociologia, antropologia, ou ciência política (vida e obras Martin Heidegger); suas proposições (enunciado declarativo ou aquilo que é declarado, expresso ou designado; ABBAGNAMO; Nicola; Dicionário de Filosofia; p. 942), ele objetivava descobri maneiras de ser.
Martin tem em sua vida cito: meados dos anos de 1933 importantes ascensões tanto intelectuais, como morais e éticos e sua passagem de católico para o nazismo.[6]

“Heidegger em 1933 que havia aderido ao nazismo, torna-se reitor da Universidade de Friburgo e pronúncia o discurso: A auto-afirmação da Universidade alemã”
(G. Reale. Cap. décimo primeiro; p. 201 Volume III).



Ainda jovem Heidegger começa a mostrar suas idéias, juntamente com seus anseios de trazer algo a mais para tantas questões já apresentadas dentro do campo da filosofia; tendo como colega Husserl as expectativas eram de que ele iria perpetuar o movimento fenomenológico[7]; mas imbuído de sua vocação religiosa, ele preferiu seu próprio caminho, ou seja, construir seus próprios pensamentos. Por volta do ano de 1927 apresenta ao mundo filosófico alemão com Sein (ontologia) und Zeit (tempo) (“O ser e tempo” de 1962); descobrindo ou explicando o ser aproximando uma exatidão do ser em conformidade com suas dimensões; descobrir o mundo.

Esta obra (ser e tempo) é a responsável por uma postura dos seus leitores e mérito da sua caracterização de uma difícil leitura; pois é com esta obra que ele trás novos elementos a cerca do homem que vai além do físico até então estudado e citado por outros filósofos. Compreende o situar, deste ser que relaciona com todos os entes à sua volta daí surge sua complexidade; de uma compreensão já mencionada quase impossível de se ler. Ela é considerada, de grande importância para o mundo onde a constante reflexão é o manifestar do conhecimento, o mundo filosófico.
Heidegger utiliza desta obra para dizer e ressaltar que a filosofia perdeu seu sentido, que o sentido do ser aprisionando somente o homem em seus estudos e reflexões, contudo o essencial que é o ser que existe nele é deixado de lado, ele resgata a atenção para este dado importantíssimo da filosofia. Considerado um hermeneuta, mostra através do uso desta uma compreensão acertada e eficaz do ser; diz que: a Hermenêutica tem que servir a compreensão do dasein (ser-ai), através de uma detalhada e sistemática analise hermenêutica, pode se aproximar da complexidade do ser ai, o ser que se apresenta aos olhos.
O filosofo, na construção de sua celebre obra, deixa claro que o único Dasein (é a condição de possibilidade existencial-ontologica, o existir do ser enquanto se manifesta no ser-no-mundo onde se manifesta os entes, pois só o homem é ser), porque ele tem consciência interroga e busca o conhecimento; todo o resto que o circunda é ente uma espécie de submissão ao Dasein.

Ser e tempo alcançaram enormes proporções dentro do âmbito filosófico e também por aqueles que insistiam em tentar extrair algo de compreensão dele, aclamado como um trabalho profundo e importante não somente em países de língua germânica, mas também nos países latinos; países onde a fenomenologia era difundida e aceita, mas na língua Alemã nem tanto.
Assim como grandes obras causam e transformações na vida de uma sociedade exposta a tais pensamentos, a obra “ser e tempo” de Martin soergueu diversos questionamentos e posicionamentos de pensadores de sua época e épocas posteriores. Ele influenciou de forma bem acentuada Jean-Paul Sartre, um francês que tem nas suas obras é pensamentos, o intuito de divulgar do existencialismo, dentre vários outros. Isso tudo apesar dos protestos de fé do próprio Heidegger não pode escapar ao titulo de líder do existencialismo “ateu”, porque faz uma reflexão muito racionalista expondo uma aproximação ou uma explicação do sentido do ser, visto por muitos como que uma tentativa de explicar o que Deus criou.

“No período que corresponde à publicação de “O ser e tempo” Heidegger era professor “Ordinarius[8] em Marburg, onde lecionou por diversos anos”.


Martin esclarece na elaboração de suas idéias à cerca do ser e suas dimensões que enquanto não se chegar à compreensão do homem, não será possível desmistificar o ser.



ANALÍTICA EXISTENCIAL:
SER-NO-MUNDO; SER-COM-OS-OUTROS; SER-PARA-A-MORTE.

“Na busca incessante por definir o “ser”, cada vez mais se compreende que o “ser” não pode ser aprisionado numa definição porque o “ser” não pode disssociar-se do tempo de seu sentido “(Martin Heidegger)


Compreender a filosofia de Heidegger é mudar o sentido da orientação do olhar e da escuta, é fazer uma ligação primeira entre o pensar, o ser, o homem e a linguagem
Como Heidegger aprendeu com Husserl, é o método fenomenológico e não o método cientifico que revela os modos de ser do homem. Aceitando esse pressuposto Martin acaba caindo em uma dicotomia[9] da relação sujeito-objeto, que implicou tradicionalmente que homem, como cognoscente, é algo dentro de um ambiente que ele confronta. (“... o segredo do ser se revela na linguagem...” (MONDIN, Batista; p. 134).


Esta relação, entretanto deve ser transposta; o saber mais profundo, ao contrário é matéria do phainesthai (grego: “mostrar-se” ou “esta na luz”), a palavra da qual fenomenologia, como um método, é derivada. Algo está exatamente “lá na luz”. Assim, a distinção entre o sujeito e o objeto não é imediata, mas vem somente mais tarde com a conceitualização, como nas ciências.
Com tudo o que foi dito até agora sobre Heidegger tem-se uma visão parcial de como procederiam as suas idéias à cerca de que ele iria discorrer a necessidade de um aprofundamento no ser que apresenta dimensões que nos leva a uma aproximada compreensão do que ele realmente gostaria de transmitir, mesmo conscientes de que um resultado definido será presunção demais para um simples leitor.
Na analítica existencial [10]o homem que se coloca a pergunta sobre o sentido do ser é um homem que já está sempre em uma situação, jogado nela; é, justamente, Dasein (ser-ai).

“... é este homem que é o dasein é existência, portanto, poder-ser e, portanto, projeto que transforma as coisas em “utensílios”: o ser das coisas equivale ao seu ser utilizado pelo homem...” (G. Reale cap. décimo primeiro; p. 201 Volume III).


O homem pode ser caracterizado pela sua característica primeira que é, pois ser-no-mundo, faz se necessário à localização deste homem, ou seja, o raum[11], em que este vive; e se o ser-no-mundo é um existencial, ou seja, um traço típico do homem, também o ser-com-os-outros é um existencial: (“... não há “um sujeito sem mundo”, nem há “um sujeito isolado dos outros...” ( G. Reale cap.décimo primeiro; p. 201 Volume III).

O ser-no-mundo manifesta a sua presença ativa aquele que esta e faz o seu papel de agente construtor no meio em que esta; no assumir o cuidado (sorge) das coisas, o ser-com-os-outros apresenta então como a necessidade de interação aquele que esta e com o outro precisa de uma mútua relação para a afirmação dele em meio aos outros. Exprime um ter cuidado dos outros que se torna autentico coexistir, se os outros são levados a possuir a liberdade de assumir seus próprios cuidados.
O terceiro existencial que deve aqui ser mencionado é o ser-para-a-morte a certeza de que o homem esta sujeito a queda no plano das coisas do mundo, isto é no plano “ontico”[12].

“... a morte é uma possibilidade permanente da existência: ela é a possibilidade de que todas as outras possibilidades se tornem impossíveis...” (G. Reale vol, III Martin Heidegger da fenomenologia ao existencialismo, capitulo décimo primeiro p. 201)


É desta forma que a inevitável morte impede-nos de perder-nos entre objetos e de afogar nesta ou naquela situação; é ela que mostra a nulidade de todo projeto.

“... apenas a compreensão da possibilidade da morte como impossibilidade da existência faz o homem reencontrar seu ser autentico...” (G. Reale cap. décimo primeiro; p. 201 Volume III).

O viver para-a-morte é uma decisão antecipatória que constitui o sentido autentico da existência, que sem mais delongas apresenta-se a possibilidade do nada; a morte do ser. (“Uma vida sem busca não é digna de ser vivida” (Sócrates).



As dimensões do ser nascem da pergunta fundamental da filosofia de Martin Heidegger que é aquela sobre o sentido do ser. Desenvolvendo neste prisma ele torna possível a abertura para a compreensão da existência humana que permeia e habita a linguagem poética e criadora a consolidação do ser através da linguagem.
Compreende-se aproximadamente a distinção entre ser e ente. Sua filosofia baseia-se no que é o Ser, ou mesmo o que dizer o Ser; que ele não é um Ente, mas um algo responsável pela linguagem, embora se identificando com o nada, (nada no que se refere ao equiparar), ele é, e não pode ser compreendido a partir de nenhum ente, ele é o único que pode ser o “ser”, já supracitado.

O SER-NO-MUNDO

Na elaboração de suas idéias Heidegger diz claramente que o homem é aquele ente que se interroga sobre o sentido do ser; com essa colocação eleva o homem a uma condição de que ele não pode ser colocado como um simples objeto, isto é a simples estar-presente. (“... o modo de ser do homem é a existência; a existência é poder-ser, mas poder ser significa projetar...”.[13]


Com esta afirmação Heidegger utiliza uma linguagem clara para dizer que a característica fundamental do homem é ser-no-mundo. O homem está no mundo; primeiramente é necessária esta conscienca para daí discorrer sobre o seu ser-no-mundo; o ser-com-os-outros; e o ser-para-a-morte.
Husserl dizia que o mundo é uma realidade a se contemplar, contrapõe ai o que Heidegger introduz com sua colocação: de que o mundo é um conjunto de instrumentos para o homem, um conjunto de utensílios, ou seja, de coisas a utilizar, à mão, e não de coisas a contemplar como presentes; apresenta ai um ser-no-mundo de praticidade, foge à metafísica.

“... a existência é poder ser, projeto “transcendência” [14] em relação ao mundo: estar-no-mundo, portanto significa originariamente fazer do mundo o projeto das ações e dos comportamentos possíveis do homem...” (G. Reale; capitulo décimo primeiro-Martin Heidegger: da fenomenologia ao existencialismo vol.III; p.205).

O estar-no-mundo a consciência de ser que se apresenta, ele esta presente no espaço-tempo físico e no espaço tempo biológico, do seu corpo que o situa no espaço-tempo do mundo, ou seja, está no mundo. Pela própria expressão já diz algo do dasein que é ser ai, aqui é estar-no, pois significa para o homem cuidar das coisas necessárias a seus projetos, e ter a ver com uma realiade-utensilio, meio para sua vida e para suas ações.
O ser-ai dimensão constitutiva também do ser-no-mundo, é constitutivamente projeto, o mundo existe como conjunto de coisas utilizáveis: o mundo só vem a ser como tal graças a seu ser utilizável; cai-se também no ser das coisas, o ser das coisas equivale ao ser utilizado pelo homem, o sentido destas, só é por causa do homem. (“... o homem, portanto não é um espectador do grande teatro do mundo: o homem está no mundo, envolvido nele, em suas vicissitudes...” (G. Reale, vol. III p. 205 et. seq.)

E consciente de que estar-no-mundo, um ser ai, um ser-no-mundo, o homem age em tudo à sua volta transformando o mundo, ele forma e se transforma a si mesmo, suas transformações influenciam em sua vida e no modo de seu ser uma ação recíproca de transformação.

“... o homem compreende uma coisa quando sabe o que fazer dela, do mesmo modo como compreende a si mesmo quando sabe o que pode fazer consigo isto é quando sabe o que pode ser...” (G. Reale; capitulo décimo primeiro Martin Heidegger: da fenomenologia ao existencialismo; p. 200. et. Seq.)


O SER-COM-OS-OUTROS

A relação do ser com os outros numa perspectiva heideggeriana, coloca este no mesmo patamar do ser no mundo, tendo a compreensão de um ser existencial, ou que se apresenta; a busca de Heidegger em colocar, situar o ser existente no mundo, transparece a necessidade da consciência deste enquanto ser no mundo, pois a localização do mesmo se dá porque não há ser sem mundo, ou mundo sem ser.

“... in der-Wlt-sein (ser-no-mundo) é um existencial; (Mit-sein), ser-com-os-outros também é um existencial...”. (G. Reale; capitulo décimo primeiro; Martin Heidegger: da fenomenologia ao existencialismo vol.III p. 200. et. Seq.).


A consciência da existência de outros “eus” nos leva a questionar o nosso “eu” em meio aos outros “eus”, eu sou enquanto observo os outros. O pensamento heideggeriano consiste nesta clarificação de que não é possível um “eu” isolado sem os outros, a tentativa implica numa posição do ser-com-os-outros, na relação interpessoal o corpo a corpo, concebendo a existência do outro.
De outra forma o próprio ser cairia numa dejeção um distanciamento de si, conceito segundo Heidegger, que seria a queda do homem no plano das coisas do mundo, ou seja, a queda da existência ao nível da inautenticidade (deixar de existir), e banalidades das vicissitudes quotidianas.
Entende-se por dejeção ou estado de dejeção o processo em que a existência se distancia de si, esconde a si mesma sua possibilidade própria (que é a da morte) e se abandona ao modo de ser anônimo que se caracteriza pela tagarelice, pela curiosidade e pelo equívoco (N. Abbagnamo).
Uma vez situado o ser no mundo, o ser com os outros, a necessidade de interação e afirmação destes, os levará a única certeza de que se têm elementos fortes, os quais não existem uma precisão a não serem teorias até mesmo infundadas do que acontecerá que é a morte. O ser caminha durante sua existência, para o ponto do qual tem certeza que chegará vivendo ou não às dimensões a ele inerentes, a finitude deste é incontestável, o ser para a morte é a certeza do cessar da existência.


O SER-PARA-A-MORTE, EXISTENCIA INAUTENTICA E EXISTENCIA AUTENTICA

O Ser-ai, ou seja, o Dasein, tão difundido nas idéias de Heidegger leva o ser a não só localizar-se, mas compreender a sua localização, a relação com os outros, e a condição de sua finitude; ele o ser-ai o que se apresenta (fenomenológico) é e tem de ser; isto é o homem se encontra sempre em uma situação, compreende o ser-no-mundo, e enfrenta essa situação graças a seu projetar, o ser com os outros em uma relação de interatividade, que afirma este ser e o seu ser em relação aos outros, na perspectiva do eu e dos outros eus.

“... mas quando volta seus “cuidados” para o plano “ontico”(Ser) ou existentivo, isto é ao plano dos entes em sua factualiade ( os fatos do cotidiano), o homem permanece na existência inautentica...” (G. Reale; capitulo décimo primeiro; Martin Heidegger: da fenomenologia ao existencialismo vol.III; et. Seq)


Parte desses elementos citados, que este homem, um ser de dimensões e possibilidades faz uso das coisas, o ser no mundo; é utiliza e estabelece relações sociais com os outros, ser com. Essa atuação do homem (ser) acaba por atirá-lo e deixá-lo exposto ao nível dos fatos a factualidade, o que se apresenta à sua volta, deixa transparecer a inautenticidade deste, sem a existência das coisas. A utilização das coisas se transforma em fim em si mesmo; seguindo assim a linguagem nesse plano se transforma então no palavrório da existência anônima subjacente ao axioma (valor), “as coisas são assim porque assim se diz”.
Uma vez tendo exposto a questão da existência inautentica ou mesmo que não existir, faz-se necessária a explanação do que seja a existência autentica, na qual dá-se a confirmação e fim do ser, a existência autentica portanto é um ser-para-a-morte, somente compreendendo a impossibilidade da morte como possibilidade da existência e somente assumindo essa possibilidade com decisão antecipada, o homem encontra seu ser autentico.







[1] Pedido de Heidegger, como gostaria que fosse lembrado; Pg 16; SAFRANSK, Rudiger. Heidegger Um Mestre da Alemanha Entre o Bem e o Mal.
*Graduando em Filosofia; Instituto de Filosofia João XXIII; 2º Ano; Seminário Maior João XXIII.
[2]Toda filosofia que trata diretamente da existência humana; PENHA, João. O que é Existencialismo; 11ª ed. Editora: Brasiliense.
[3] Introdução. O que é Existencialismo; PENHA, João. O que é Existencialismo; 11ª ed. Editora: .Brasiliense.
[4] Historícismo, termo usado pela primeira vez por Novallis (Werke, III, p. 137. Doutrina segundo o qual a realidade é história, desenvolvimento, racionalidade e necessidade). ABBAGNAMO; Nicola; Dicionário de Filosofia; p. 588.
[5] Estudo do modo como as coisas se manifestam.
[6] Partido Nacional Socialista dos trabalhadores Alemães, cujas primeiras letras formam as siglas “NASI”, donde deriva o nome Nazismo.
[7] É tudo aquilo que é inerente ao modo de demonstrar e de explicitar e tudo aquilo que exprime a conceituação implícita na presente investigação de Ser e Tempo (ABBAGNAMO; Nicola; Dicionário de Filosofia; p.510).
[8] Um professor freqüente.
[9] Divisão de um conceito em duas partes segundo o método diareitetico da dialética platônica. (ABBAGNAMO; Nicola; Dicionário de Filosofia; p.324).
[10] Pergunta sobre o sentido do ser; ou a analise do mesmo. (ABBAGNAMO; Nicola; Dicionário de Filosofia; p. 52)
[11] Espaço; (GLOSSÁRIO; alemão-português p. 583).
[12] Existente: distinto de ontológico, que se refere ao ser categorial, isto é, à essência ou à natureza do existente. (ABBAGNAMO; Nicola; Dicionário de Filosofia; p.848).
[13] G. Reale; capitulo décimo primeiro-Martin Heidegger: da fenomenologia ao existencialismo vol.III; p.205.
[14] A transcendência institui o projeto ou esboço de um mundo: ela é um ato de liberdade, para Heidegger é a própria liberdade. (G. Reale; capitulo décimo primeiro-Martin Heidegger: da fenomenologia ao existencialismo vol.III; p.205).

Kierkegaard, um espírito angustiado, por Fabrício da Silva Brandão

Sören Aabye Kierkegaard

UM ESPIRÍTO ANGUSTIADO

Fabrício da Silva Brandão*

“A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente”.
(Sören Aabye Kierkegaard)

Sören Aabye Kierkegaard nasceu em 05 de maio de 1813, em Copenhague, Dinamarca. Era filho de um comerciante casado em segundas núpcias com uma doméstica. Deste segundo casamento, nasceram sete filhos, do qual Sören foi o último sendo seus pais já relativamente idosos. Cinco de seus irmãos morreram; já ele morreu aos 42 anos de idade.
Foi ele o único sobrevivente dos seus irmãos, depois se tornou bispo luterano. Em sua família, sobretudo em relação à figura do pai, Kierkegaard julgava ver a marca de um destino trágico e misterioso. Ele falava que seu pai possuía uma obscura culpa, e foi à descoberta desta que, segundo Kierkegaard, constituiu-se no "grande terremoto" de sua vida. Não temos certeza do que tenha sido esta culpa paterna, mas, seja lá o que fosse ao determinar um relacionamento mais complexo e doído com seu pai, acabaria por representar uma espécie de lâmpada no escuro, permitindo-lhe desenvolver uma compreensão religiosa “existencialista” de sua vida. Herdeiro de uma melancolia religiosa quase doentia que impregnava sua família, este "espinho na carne", essa busca de se entregar ao verdadeiro sentido divino da existência, levou Kierkegaard a renunciar a realização de seu ideal ético e humano de se casar com a bela e doce Regina Olsen. Mesmo apaixonado, Kierkegaard pensava que "um penitente como eu, com a minha vida ante acta e a minha melancolia... já devia ser suficiente", ou seja, ele não queria expor sua amada à angustia de sua busca espiritual, nem queria que o casamento fosse empecilho a isto, o que não o impediu de sofrer amargamente até o fim da vida a perda de sua paixão: "eu serei teu ou te será permitido me ferir tão profundamente, no mais íntimo de minha melancolia e de minha relação com Deus que, ainda que de ti tenho separado, continuo sendo teu". Para ele, um penitente, alguém que se entrega ao ideal cristão da vida, com toda a radical seriedade que isto implica, não poderia viver a serena existência de um homem casado. Ele não poderia aceitar a sua inscrição na ordem constituída. Não poderia ser mais um homem entre tantos outros homens.

Na opinião de Kierkegaard, um penitente, alguém que abraçou o ideal cristão da vida, com toda aquela tremenda seriedade que o cristianismo comporta, não pode viver a tranqüila existência de homem casado. Ele não pode aceitar o compromisso mundano e a gratificante inserção na ordem constituída. Regina não podia tornar-se sua esposa “por que Deus tinha a precedência”. E essa também é a razão por Kierkegaard renunciou a tornar-se pastor. (REALLE, GIOVANNI, DO ROMANTISMO ATÉ NOSSOS DIAS, 1991 P. 237)

Ele queria ser, antes de tudo, cristão. Regina, mais tarde, casou-se com outra pessoa, mas Kierkegaard nunca a esqueceu, e nutria a cândida esperança de que a oposição ferrenha do mundo à sua filosofia pudesse conferir aos olhos de Regina um novo valor à sua vida, e pudesse, assim, perdoá-lo pelos sofrimentos decorrentes do rompimento do noivado que, ademais, foi o suficiente para por quase toda a burguesia de Copenhague contra ele.
Desde muito cedo, Kierkegaard foi vítima de chacotas e toda de sorte de agressividade. Tudo isso por causa de sua ferrenha crítica de toda a cultura européia e da filosofia hegeliana, bem como da filosofia romântica, naquilo em que elas demonstraram ser excessivamente parciais: a ênfase quase que exclusiva no universal e no coletivo em detrimento do individual.
Se a vida de Kierkegaard em casa era levada da forma que um de seus colegas de infância descreveu como um crepúsculo místico de “rigidez e excentricidade, ’ sua carreira na escola Particular que freqüentou não serviu de alívio. (GARDINER, 1988 P. 12)
Isto parecia tirar e, de fato, formava um pretexto ideal para tirar mesmo a responsabilidade individual perante a própria vida, responsabilidade essa que também influi no social. Kierkegaard costumava dizer que seu tempo se caracterizava por uma ingênua aceitação das premissas burguesas e de idéias vindas de cima para baixo, sem questionamento. Tempo em que não se via quase nenhuma paixão e engajamento em valores espiritualmente significativos, criticando, por isso, a atitude preguiçosa e acomodada da Igreja. Ser cristão, para ele, significara seguir, de verdade, na prática, toda a práxis deixada por Jesus:
"O Cristianismo é de uma seriedade tremenda (...). Ser Cristão é sê-lo no espírito, é a inquietude mais elevada do espírito (...)". Entretanto, depois de dois mil anos, "tudo se tornou superficialidade na cristandade atual". O que há é uma disputa calculada para se manter o poder de consciências, e Kierkegaard se choca diante da realidade última de que, dentre todas as chamadas heresias, ninguém se dê conta da mais perigosa e sutil de todas: a de "fingir ou brincar de cristianismo", como o fazem as igrejas católica e protestante.

A ironia Socrática será uma constante nos escritos de Kierkegaard, ela serve como estratégia para o autor criticar a cristandade de sua época e a filosofia sistemática e especulativa. Ele tal como Sócrates, adota o não saber a fim de mostrar o vazio dos discursos de seus interlocutores. (FILOSOFIA DISCUTINDO, ANO 03; Nº 12 P. 39)

Kierkegaard, por ser uma pessoa que criticando os sistemas de sua época, como a cristandade, vê seu pensamento começar a ser mais conhecido depois da Primeira guerra Mundial, notadamente entre os alemães, que descobrem nas suas criticas á cristandade um parceiro para suas angústias religiosas. Desse modo Kierkegaard entra, por assim dizer, para o chamado cânone filosófico.

O HOMEM É ESPIRITO

O homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade, mais e melhor do que na relação propriamente dita. Não é a relação de dois termos uma síntese. O “eu” não existem ainda sob este ponto de vista.O homem é espírito. E o espírito é o eu do homem. É uma relação que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, mas apenas consigo mesma. (KIERKEGAARD, 2004. P. 19)
A inocência é a ignorância. Inocente, o homem ainda não está determinado como espírito, ainda que a alma conserve uma unidade imediata com o seu ser natural. Tal interpretação está inteiramente de acordo com a Bíblia que, não concedendo ao homem em estado de inocência a capacidade de discernir entre o bem e o mal, condena todas as meritórias fantasias católicas. Em tal estado, há calma e descanso; porém existe,a o mesmo tempo, outra coisa que, entretanto, não é perturbação nem luta, porque não existe nada contra que lutar. O que existe então? Nada. Que efeito produz porém, este nada? Esse nada dá nascimento á angústia. Ai está o mistério profundo da vida: é, ao mesmo tempo, angústia. Sonhador, o espírito projeta a sua própria realidade, que é um átimo (instante), e a inocência vê sempre e sempre, diante de si, esse nada.
O ser humano é uma síntese de alma e corpo; apenas esta se torna inimaginável se ambos os elementos não se reunirem em um terceiro. O terceiro é o espírito. No estado de inocência, o homem não é apenas um animal e, finalmente, se alguma vez o fosse em qualquer instante de sua existência, nunca se tornaria homem. De outro modo, o espírito é uma potencia amiga que deseja constituir a relação. (KIERKEGAARD, 2007. p. 52)
Quando no Gênesis, Deus declara a Adão: “Porém, os frutos da árvore do bem e do mal na comerás”, está claro que, no intimo, Adão não entendia a frase; porque, como poderia entender a diferença entre o bem e o mal se a diferenciação apenas se fixou após ter sido saboreado o fruto? Neste caso de Adão o desejo fez com que ele fosse a primeira presa para o uso do poder. É esta possibilidade que Adão, traz para o resto humanidade uma vez que ele sai do estado de inocência e se joga no mundo. O espírito dá a Adão o desejo a inquietação de desvendar aquilo que para ele é desconhecido. O espírito é para Kierkegaard o que modelador do homem enquanto ser, alma. Ela deve dá vida a este ser que vive em constante conflito consigo mesmo. Quando no Gênese Deus proíbe Adão e Eva de comerem do fruto proibido e depois fala que eles morreram, eles estão inocentes a essas realidades, que até então não foi conhecida por eles, mas, desejadas por eles depois de apresentadas. Kierkegaard aborda o homem através do estudo do seu espírito, pois sendo para ele o espírito aquele que dá uma
identidade ao ser, busca por meio do meio teológico concretizar seu pensamento, sendo ele mesmo o “poeta cristão”.
É o poeta cristão que “não crê em si mesmo, mas somente em Deus. Passa a enxergar a sua vida e acontecimentos advindos da misericórdia de Deus. Se tornou o próprio construtor de sua história, mesmo que guiado por um Ser Superior” (REALE, 2005. p 228)
Enquanto o homem se manifesta como consciente de seu espírito e de sua possível liberdade ele já não se encontra naquele estado de espírito inocente, em sonho, mas sim em um estado de pecado. Pois, para Kierkegaard, o homem só é inocente quando desconhece aquilo que desconheceu o próprio Adão, no paraíso a sua própria vontade. Vou levado por um desejo que até então ele desconhecia o prazer de tal ato e fim último.
“Quando Kierkegaard, em sua época via aquela sociedade sendo aniquilada pelos falsos profetas e pastores”, dizia um verdadeiro cristão não era o exemplo passado por aqueles pastores que a verdade era uns canalhas, onde suas funções eram a de satisfazer a eternidade, mas eles pretendiam satisfazer o tempo; são “velhacos” que consideram que “é mais cômodo adular os contemporâneos”. Nisto Kierkegaard em suma apresenta que a o cristianismo que é a verdade por parte de Deus, e não por parte dos homens só seria bem vivida se cada pessoa começasse a vivê-la com o espírito e não por meio medo.
Quando o homem se vê amedrontado do espírito, ele fica sujeito aos perigos como o desespero do eterno ou de si mesmo seria mais apropriadamente considerado um destes perigos que é o "desespero da própria fraqueza", subvertendo com fins didáticos o título da ampla categoria em que se insere. Aquele que o apresenta possui maior compreensão da eternidade subjacente ao eu e do próprio eu, assim como do significado do desespero, o que o faz sofrer não de um mal que sobre ele incida em maior ou em menor grau, como se verifica no desespero do temporal, mas sim de um mal que tem no próprio indivíduo a sua gênese, no autoconhecimento que ele desenvolve. Por conseguinte ele não suporta mais o seu eu e quer dele se livrar, ainda que assuma um acentuado hermetismo em sua postura, sepultando esses conflitos em sua interioridade e sendo o perfeito oposto do já comentado indivíduo espontâneo. Kierkegaard acentua a possibilidade do suicídio como forma de se desvencilhar desse eu de sofrimento, ou mais oportunamente, a fé. Ela dar ao ser humano um sentido, explicação para entender aquilo que a nossa razão não consegue explicar. (Kierkegaard, 2007).
Para Kierkegaard a consciência do espírito no homem não o impede de levá-lo a pecar, somente quando ele toma consciência deste espírito e que é também espírito deve se responsabilizar por todos os seus atos. O espírito é aquele que uma vez constatado pelo homem pode salvar ou condenar o homem.[1]
Ele dá ao homem o poder de ser “livre”, pois a cada ato realizado por força do espírito mais perto daquilo que chamamos de perfeição ficaremos. É claro que este mesmo espírito é a causa e motivo pelo qual possa ser salvo ou condenado. O homem enquanto espírito puro, inocente é um ser que ainda não age segundo as influencias ou pelo menos não tem consciência de seus atos enquanto errado e certo. Ele age segundo a natureza da pureza, como Adão comeu a fruta que Eva lhe deu. Até então não conheciam as conseqüências ou o próprio mau.
O HOMEM ESTÉTICO

O individuo estético, não procura impor um padrão coerente a sua vida, com a origem numa nação unitária de si mesmo e do que ele deveria ser; ao contrário, ele permite que “o que acontece” aja sobre ele e o governe seu comportamento.
A reflexão introspectiva pode demonstrar isso, e quando acontece é capaz de produzir um sentimento disseminado de desespero em tal ser; toda a sua vida no geral e não somente em determinados aspectos pode parecer apoiada em bases incertas e esvaziadas de significado.

Ele permanece profundamente enraizado em seu próprio modo de vida e pensamento para tentar se libertar. Assim, ele tenta, por meio de uma variedade de estratagemas, evitar que a verdade se instale nele. Isso acontece, ás vezes, com vários tipos de atividade, que pode assumir uma forma “demoníaca”, como no caso de Fausto;... (KIERKEGAARD, 2001. p. 55)

Kierkegaard delineia o ideal estético da vida do sedutor, que vive segundo a segundo, dispensando-se na multiplicidade sem autêntico empenho ético. Representa uma opção pelo prazer, pela estrutura, pelo descompromisso com o próximo, pelo egoísmo, pelo apego ao mundo material, pelo utilitarismo.

É a existência na qual o objetivo maior é a satisfação dos desejos hedonistas. É a procura de uma liberdade sem limites, do prazer perfeito. A existência estética plena é aquela voltada para o instante, sem compromisso nem como passado nem com o futuro. O instante é vivido como se fosse eterno, porque é portador de tudo aquilo que o homem estético busca que é o prazer. ”( Hryniewicz, Severo. Para filosofar; 5ª ed. Editora: .Santelena.; p. 450)

Contudo, a insatisfação lhe é companheira, por que o prazer perfeito nunca é atingido e o instante é fugido. A melhor expressão da vida estética é Don Juan, de Mozart

Don Juan é o perfeito hedonista, ao se relacionar com uma amante, não a tratava como pessoa, mas como instrumento de prazer. Passava de uma mulher para a outra por que nenhuma lhe dava prazer em sua plenitude; sempre esperava que a próxima pudesse fazê-lo, porém nenhuma conseguiu lhe proporcionar tal ato perfeito. Hryniewicz, Severo. Para filosofar; 5ª ed. Editora: Santelena.; p. 450)

O homem estético pode fazer coisas sérias e, aparentemente, desvinculadas do prazer: rezar, trabalhar ou estudar, mas tudo que faz visa ao prazer.

O HOMEM ÉTICO

Este tem um tipo de vida movida por um páthos existencial radicalmente diferente do anterior, no qual o prazer era a meta. Agora o páthos que comanda a existência é o do dever. Trata-se de uma escolha que surge de uma conversão corajosa de quem reconhece a importância do outro e da vida social em geral. Ele absorve as regras sociais e morais de tal modo que, em tudo que faz, procura o cumprimento do dever. Não há outra causa que o motive mais á ação que a vida perfeitamente adequada aos padrões racionais.

É o exemplo típico do homem que cumpre rigorosamente seus deveres: enquanto homem casado, é fiel á esposa; em seu trabalho, observa os horários e não se corrompe; cumpre formalmente as obrigações religiosas etc... No entanto, o que o motiva é o cumprimento do dever. (Hryniewicz, Severo. Para filosofar; 5ª ed. Editora: Santelena.; p. 452)

O estádio ético não destrói a dimensão estética da natureza humana, mas incorpora-a (dialética). O casamento é a situação ideal de realização deste tipo de existência: a busca do prazer não é aniquilada, mas orientada pelos princípios da fidelidade matrimonial, pelas convenções sociais e pela moral vigente.
No entanto, tal como a vida estética, também a existência ética acaba por gerar a insatisfação. As normas e as convenções são genéricas, não tocam a intimidade do individuo e não satisfazem seus anseios mais pessoais. O existente decompõe-se, perde-se nas generalidades e acaba por sentir-se negado em sua individualidade.

Sentindo-se alienado, o homem ético pode vir a arrepender-se da vida que leva e iniciar o salto para um grau superior. Na obra A alternativa, Kierkegaard fala do arrependimento não como remorso por uma falta, mas como um mal-estar provocado pelo conjunto da existência que se leva . (Hryniewicz, Severo. Para filosofar; 5ª ed. Editora: Santelena.; p. 452)

O homem ético busca ser sempre este ser que age conscientemente, buscando sempre fazer aquilo que é correto, para não contrariar seus valores e os da sociedade.

O HOMEM RELIGIOSO
O homem religioso é um ser que vive entorpecido, pois a todo instante necessita de algo que transcende sua existência para fazê-lo entender sua própria vida. É ela que faz com que ele tenha uma alma piedosa, boa, que ame e respeite as pessoas.

O arrependimento é “a expressão mais elevada da concepção ética da vida” afirma Kierkegaard no Diário, “e sempre devo arrepender-me; mas é justamente esta a contradição da ética, que dá origem ao paradoxo da religião, isto é a Redenção, á qual corresponde a Fé. Diário, Trad. Fabro, 720)

Na obra A repetição, introduz a temática, apontando as insuficiências da vida ética, particularmente a impossibilidade de esta justificar muitas situações da existência concreta. O caso de seu relacionamento com Regina é um bom exemplo: perante a moral convencional é um ato condenável, no entanto não poderia ser justificado de um outro modo perante? Perante Deus, por exemplo? Fazer coisas para agradar á moral convencional, não pode significar trair convicções próprias do individuo diante de Deus?
Kierkegaard faz longas considerações sobre os impasses entre a vida religiosa e moral, resolvendo a questão em favor da supremacia absoluta do chamado divino em relação aos comandos morais. Segundo a moral, o que interessa é cumprir o dever, não importando o contexto.

Assim ela se torna uma espécie de moral geral, subordinando a ela a vida religiosa. as exigências da vida religiosa são muito mais que o cumprimento dos deveres impostos pela moral convencional, ela faz com que o homem viva também os seus princípios mais íntimos diante as pessoas, a si próprio o mundo. (Hryniewicz, Severo. Para filosofar; 5ª ed. Editora: Santelena.; p. 452)

Citaremos aqui dois personagens bíblicos: Jó e Abraão. Eles foram exemplos de duas faces diferentes da vida religiosa. Jó representa o homem que vive numa situação especial, a da provação que só pode ser compreendida na sua relação com Deus. Por isso, os amigos que iam visitá-lo não eram capazes de compreender a razão dos castigos que Deus o submetera. No entanto, Jó compreendia, pois tinha fé.
Por outro lado, Abraão vive claramente o impasse entre as esferas éticas e religiosas. Ao pedir que lhe sacrificasse, como prova de fé seu filho Isaac, Deus estava exigindo algo que fere a ética e o direito natural. Nenhuma ética justifica o sacrifício de uma pessoa, especialmente, se não há motivo suficientemente forte. No entanto, movido por uma fé absoluta nas promessas divinas, Abraão obedeceu. A fé levou-o para além da ética.

A fé é um salto além do ético; seu modelo é Abraão, que aceita o sacrifício do filho e, enquanto se prepara para sacrificar Isaac, acredita e espera contra toda esperança, ele acredita que fazendo a vontade de Deus mesmo que não a compreendendo naquele momento estaria fazendo o correto por que Deus nunca quer mal para seus filhos. (Vânni Sofia. p. 110)

O individuo perante Deus tem como único fim atender as exigências de sua condição, única e incompreensível para os outros. Assim, o dever absoluto não é o da observação dos comandos da ética ou das convenções sociais, mas o dever para com Deus.
Voltando a Kierkegaard: porque a Deus tudo é possível, o crente possui o antídoto contra o desespero; “o facto da vontade de Deus ser possível, faz com que eu possa rezar; mas se só a vontade de Deus fosse necessária, o homem seria essencialmente mudo, como um animal irracional”.
A fé é o inverso paradoxal da existência; a fé liga-se à estabilidade do princípio de toda a possibilidade
Para Kierkegaard, a fé consiste na eliminação total do desespero, é a condição em que o homem deixa de se iludir sobre a sua auto-suficiência para reconhecer a sua dependência em relação a Deus. Com fé, a vontade do homem em ser ele próprio não colide com a impossibilidade da auto-suficiência que determina o desespero, porque é uma vontade que se socorre do Poder em cujas mãos o próprio homem se colocou: o Poder de Deus.
O escândalo fundamental do cristianismo que nenhuma especulação poderá destruir, é a realidade isolada do ser humano perante Deus, em que todos os indivíduos, sejam eles poderosos ou escravos, existem igualmente na presença de Deus. Por isso, e neste sentido, todas as vidas se equivalem.
A definição de “homem religioso” coincide com a compreensão do Homem dos princípios da causalidade definidos por Fichte nos seus “estádios de evolução” da Humanidade. Quando Kierkegaard cita o exemplo de Abraão como o do “homem religioso”, nada mais faz do que seguir a cultura Apologética que foi introduzida na cristandade desde
Praticamente o início do cristianismo. Por exemplo: enquanto o cristianismo sempre produziu arte e beleza, mesmo na Baixa Idade Média, mas principalmente a partir da Alta Idade Média..
No fundo, Kierkegaard tem lógica na sua argumentação, mas sua visão é desfocada. Existem vários tipos de estetas; existem estetas éticos, e estetas que ignoram a ética – tudo depende do estádio de evolução espiritual em que o esteta se encontre. Atingindo a compreensão da repercussão da causalidade universal nos seus atos individuais, o espírito humano escolhe assumindo plena e conscientemente as suas responsabilidades perante si mesmo (perante a sua consciência), o que significa exatamente a Assumpção de responsabilidades.” A grande diferença do cristianismo em relação às outras duas religiões monoteístas consiste na introdução no Ocidente da noção de “livre-arbítrio” como valor em si e a substituição do “Deus castigador judaico pelo “Pai que ama” cristão. Da mesma forma que um artista compreende a arte “com a sua alma”; compreende a arte de uma forma que não consegue expressar por palavras mas antes pela representação da própria arte; entende a arte como algo intrinsecamente ligado ao seu ser mais profundo – compreensão da arte como sendo algo que incorpora o seu ser espiritual —, o espírito humano que compreende a causalidade universal em si mesmo e no âmago mais profundo do seu ser. Assim como o artista compreende a arte e a única forma de expressar essa compreensão é exercendo a própria expressão artística — porque a linguagem humana é parca em vocábulos que exprimam esse sentimento e idéia espiritual da compreensão da arte - o espírito humano que compreende a causalidade universal encontra na ação responsável e consciente a forma de expressar a sua compreensão das leis universais.
A “angústia” de Kierkegaard é a conseqüência da incompreensão do sentido da existência por parte de indivíduos que ainda não atingiram níveis superiores de consciência espiritual. A compreensão espiritual está para o espírito humano, como a capacidade artística está para o artista – é algo de intrinsecamente inerente à sensibilidade do ser, dificilmente traduzível por palavras da linguagem humana ideologicamente limitada. A “angústia religiosa” que Kierkegaard traduz como sendo a “fé”, faz parte do caminho espiritual, faz parte da incerteza de quem tem fé sem ter a certeza da fé.


[1] Todavia, há um outro Kierkegaard: o pensador posterior á Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Ele reaparece como o típico representante da corrente existencialista, mas mutilado e estético, notadamente pelas leituras e interpretações francesas.